Comentários de ALEXANDRE CUMINO sobre a visão de Leal de souza
Leal de Souza, intelectual e escritor de origem kardecista, tornou-se médium orientado por Zélio de Moraes e também o primeiro autor umbandista, com o título “O Espiritismo, a Magia e as Sete Linhas de Umbanda”, 1933, onde encontramos um capítulo inteiro (capitulo 31) onde defende a origem kardecista da Umbanda.
Coloco abaixo apenas algumas passagens deste texto para apreciação do leitor, faço algumas considerações ao final:
O KARDECISMO E A LINHA BRANCA DE UMBANDA
Por Leal de Souza
A Linha Branca de Umbanda e Demanda está perfeitamente enquadrada na doutrina de Allan Kardec e nos livros do grande codificador, nada se encontra susceptível de condená-la.
Cotejemos com os seus escritos os princípios da Linha Branca de Umbanda, por nós expostos no “Diário de Notícias”, edição de 27 de novembro de 1932....
(...) Os protetores da Linha Branca de Umbanda se apresentam com o nome de caboclos e pretos, porém, frequentemente, não foram nem caboclos nem pretos.
Allan Kardec, a página 215 do “Livro dos Espíritos”, ensina:
“Fazeis questão de nomes: eles (os protetores) tomam um, que vos inspire confiança”.
Mas como poderemos, sem o perigo de sermos mistificadores, confiar em entidades que se apresentam com os nomes supostos? Allan Kardec, a página 449 do “Livro dos Espíritos”, esclarece:
“Julgai, pois, dos Espíritos, pela natureza de seus ensinos... Julgai-os pelo conjunto do que vos dizem; vede se há encadeamento lógico em suas idéias; se nestas nada revela ignorância, orgulho ou malevolência; em suma, se suas palavras trazem todo o cunho de sabedoria que a verdadeira superioridade manifesta. Se o vosso mundo fosse inacessível ao erro, seria perfeito, e longe disso se acha ele”.
Ora, esses espíritos de caboclos ou pretos, e os que como tais se apresentam, pela tradição de nossa raça, e pelas afinidades de nosso povo, são humildes e bons, e pregam, invariavelmente, sem solução de continuidade, a doutrina resumida nos dez mandamentos e ampliada por Jesus...
(...) O objetivo da Linha Branca é a prática da caridade e Allan Kardec, no “Evangelho Segundo o Espiritismo”, proclama repetidamente que “fora da caridade não há salvação”.
A Linha Branca, pela ação dos espíritos que a constituem, prepara um ambiente favorável a operosidade de seus adeptos. Será isso contrário aos preceitos de Allan Kardec?
Não, pois vemos, nos períodos acima transcritos, que os espíritos familiares, com ordem ou permissão dos Espíritos Protetores, tratam até de particularidades da vida íntima.
No mesmo livro, a página 221-222, lê-se:
“525. Exercem os espíritos alguma influencia nos acontecimentos da vida?”
“Certamente, pois que te aconselham.”
“- Exercem essa influência, por outra forma que não apenas pelos pensamentos que sugerem, isto é, tem ação direta sobre o cumprimento das coisas?”
“Sim, mas nunca atuam fora das leis da natureza”.
Assim, os caboclos e pretos da Linha Branca de Umbanda, quando intervém nos atos da vida material, em benefício desta ou daquela pessoa, agem conforme os princípios de Allan Kardec.
Na Linha Branca, o castigo dos médiuns e adeptos que erram conscientemente, é o abandono em que os deixam os protetores, expondo-os ao domínio de espíritos maus.
A página 213 do “Livro dos Espíritos” Allan Kardec leciona:”
“496. O espírito, que abandona o seu protegido, que deixa de lhe fazer bem, pode fazer-lhe mal?”
“Os bons espíritos nunca fazem mal. Deixam que o façam aqueles que lhe tomam o lugar. Costumais então lançar a conta da sorte as desgraças que vos acabrunham, quando só as sofreis por culpa vossa”.
E adiante, na mesma página:
“498. Será por não poder lutar contra espíritos malévolos que um Espírito protetor deixa que seu protegido se transvie na vida?”
“Não é porque não possa, mas porque não quer”.
A divergência única entre Allan Kardec e a Linha Branca de Umbanda é mais aparente do que real.
Allan Kardec não acreditava na magia, e a Linha Branca acredita que a desfaz. Mas a magia tem dois processos: o que se baseia na ação fluídica dos espíritos, e esta não é contestada, mas até demonstrada por Allan Kardec. O outro se fundamenta na volatilização da propriedade de certos corpos, e o glorioso mestre, ao que parece, não teve oportunidade, ou tempo, de estudar esse assunto.
(...) ...a sua insignificante discordância com a Linha Branda de Umbanda desaparece, apagada por estas palavras transcritas do “Livro dos Espíritos”, páginas 449-450:
“Que importam algumas dissidências, divergências mais de forma do que de fundo? Notai que os princípios fundamentais são os mesmos por toda a parte e vos hão de unir num pensamento comum: o amor de Deus e a prática do bem”
E o amor de Deus e a prática do bem são a divisa da Linha Branca de Umbanda.
Comentários:
Colocamos ao lado algumas passagens da obra de Kardec que não se enquadram na prática e doutrina da religião de Umbanda, principalmente no que diz respeito à Magia, como bem ilustrou Leal de Souza; começando pelo livro “O que é o Espiritismo”:
Longe de fazer reviver a feitiçaria, o Espiritismo a aniquila, despojando-a do seu pretenso poder sobrenatural, de suas fórmulas, engrimanços, amuletos, e talismãs, e reduzindo a seu justo valor os fenômenos possíveis, sem sair das leis naturais. (p.116)
Vejamos algumas considerações do O Livro dos Espíritos:
551. Pode um homem mau, com o auxilio de um mau Espírito que lhe seja dedicado, fazer mal ao seu próximo?
“Não; Deus não o permitiria.”
553. Que efeito podem produzir as fórmulas e prática mediante as quais pessoas há que pretendem dispor do concurso dos Espíritos?
“O efeito de torná-las ridículas, se procedem de boa-fé. No caso contrário, são tratantes que merecem castigo. Todas as fórmulas são mera charlatanaria. Não há palavra sacramental nenhuma, nenhum sinal cabalístico, nem talismã, que tenha qualquer ação sobre os Espíritos, porquanto estes só são atraídos pelo pensamento e não pelas coisas materiais.”
a) – Mas, não é exato que alguns Espíritos têm ditado , eles próprios, fórmulas cabalísticas?
“Efetivamente, Espíritos há que indicam sinais, palavras estranhas, ou prescrevem a prática de atos, por meio dos quais se fazem chamados conjuros. Mas, ficai certos de que são espíritos que de vós outros escarnecem e zombam da vossa credulidade.”
Colocamos estas considerações, como contraponto, para que não se confunda Umbanda com Kardecismo, embora tenham muitas semelhanças e pontos em comum. Kardecismo é raiz para Umbanda, de mesma importância que suas outras raízes, Africana ou Católica, por exemplo. Estas origens estão para a Umbanda assim como o Judaísmo está para o Catolicismo e estes para o Islã.
A abertura que Kardec deu para o adepto de certa religião ser espírita, pode fazer com que o umbandista torne-se espírita ou que o espírita pratique a Umbanda, mas não torna a Umbanda como Kardecismo e vice-versa.
Ainda assim o tema é e sempre será polêmico, mesmo Kardec quando foi questionado, de forma direta, se espiritismo era religião, deixou claro que formalmente não, mas ideologicamente sim.
Agradecimentos a Alexandre Cumino.