9.3.09

UMBANDA E KARDECISMO



Qual é a distinção?

Comentários de ALEXANDRE CUMINO sobre a visão de Leal de souza

Leal de Souza, intelectual e escritor de origem kardecista, tornou-se médium orientado por Zélio de Moraes e também o primeiro autor umbandista, com o título “O Espiritismo, a Magia e as Sete Linhas de Umbanda”, 1933, onde encontramos um capítulo inteiro (capitulo 31) onde defende a origem kardecista da Umbanda.

Coloco abaixo apenas algumas passagens deste texto para apreciação do leitor, faço algumas considerações ao final:

O KARDECISMO E A LINHA BRANCA DE UMBANDA

Por Leal de Souza


A Linha Branca de Umbanda e Demanda está perfeitamente enqua­drada na doutrina de Allan Kardec e nos livros do grande codi­ficador, nada se encontra susceptível de condená-la.

Cotejemos com os seus escritos os princípios da Linha Branca de Um­banda, por nós expostos no “Diário de Notícias”, edição de 27 de novembro de 1932....

(...) Os protetores da Linha Branca de Umbanda se apresentam com o nome de caboclos e pretos, porém, fre­quentemente, não foram nem ca­boclos nem pretos.

Allan Kardec, a página 215 do “Livro dos Espíritos”, ensina:

“Fazeis questão de nomes: eles (os protetores) tomam um, que vos inspire confiança”.

Mas como poderemos, sem o perigo de sermos mistificadores, confiar em entidades que se apresentam com os nomes supostos? Allan Kardec, a página 449 do “Livro dos Espíritos”, esclarece:

“Julgai, pois, dos Espíritos, pela natureza de seus ensinos... Julgai-os pelo conjunto do que vos dizem; vede se há encadeamento lógico em suas idéias; se nestas nada revela ignorân­cia, orgulho ou malevolência; em suma, se suas palavras trazem todo o cunho de sabedoria que a verdadeira superio­ridade manifesta. Se o vosso mundo fosse inacessível ao erro, seria perfeito, e longe disso se acha ele”.

Ora, esses espíritos de caboclos ou pretos, e os que como tais se apresen­tam, pela tradição de nossa raça, e pelas afinidades de nosso povo, são humildes e bons, e pregam, invariavel­mente, sem solução de continuidade, a doutrina resumida nos dez manda­mentos e ampliada por Jesus...

(...) O objetivo da Linha Branca é a prática da caridade e Allan Kardec, no “Evangelho Segundo o Espiritismo”, pro­clama repetidamente que “fora da cari­dade não há salvação”.

A Linha Branca, pela ação dos espí­ritos que a constituem, prepara um am­biente favorável a operosidade de seus adeptos. Será isso contrário aos pre­ceitos de Allan Kardec?

Não, pois ve­mos, nos períodos acima transcritos, que os espíritos familiares, com ordem ou permissão dos Espíritos Protetores, tratam até de particularidades da vida íntima.

No mesmo livro, a página 221-222, lê-se:

“525. Exercem os espíritos alguma influencia nos acontecimentos da vida?”

“Certamente, pois que te aconse­lham.”

“- Exercem essa influência, por outra forma que não apenas pelos pen­samentos que sugerem, isto é, tem ação direta sobre o cumprimento das coisas?”

“Sim, mas nunca atuam fora das leis da natureza”.

Assim, os caboclos e pretos da Linha Branca de Umbanda, quando intervém nos atos da vida material, em benefício desta ou daquela pessoa, agem confor­me os princípios de Allan Kardec.

Na Linha Branca, o castigo dos mé­diuns e adeptos que erram consciente­mente, é o abandono em que os deixam os protetores, expondo-os ao domínio de espíritos maus.

A página 213 do “Livro dos Espíritos” Allan Kardec leciona:”

“496. O espírito, que abandona o seu protegido, que deixa de lhe fazer bem, pode fazer-lhe mal?”

“Os bons espíritos nunca fazem mal. Deixam que o façam aqueles que lhe tomam o lugar. Costumais então lançar a conta da sorte as desgraças que vos acabrunham, quando só as sofreis por culpa vossa”.

E adiante, na mesma página:

“498. Será por não poder lutar con­tra espíritos malévolos que um Espírito protetor deixa que seu protegido se transvie na vida?”

“Não é porque não possa, mas porque não quer”.

A divergência única entre Allan Kar­dec e a Linha Branca de Umbanda é ma­is aparente do que real.

Allan Kardec não acreditava na magia, e a Linha Branca acredita que a desfaz. Mas a magia tem dois pro­cessos: o que se baseia na ação fluí­dica dos espíritos, e esta não é contes­tada, mas até demonstrada por Allan Kardec. O outro se fundamenta na volatilização da propriedade de certos corpos, e o glorioso mestre, ao que parece, não teve oportunidade, ou tempo, de estudar esse assunto.

(...) ...a sua insignificante dis­cordância com a Linha Branda de Um­banda desaparece, apagada por estas palavras transcritas do “Livro dos Espíritos”, páginas 449-450:

“Que importam algumas dissidên­cias, divergências mais de forma do que de fundo? Notai que os princípios funda­mentais são os mesmos por toda a parte e vos hão de unir num pensa­mento comum: o amor de Deus e a prática do bem”

E o amor de Deus e a prática do bem são a divisa da Linha Branca de Umbanda.

Comentários:

Colocamos ao lado algumas passagens da obra de Kardec que não se enquadram na prática e doutrina da religião de Umbanda, principalmente no que diz respeito à Magia, como bem ilustrou Leal de Souza; começando pelo livro “O que é o Espiritismo”:

Longe de fazer reviver a feitiçaria, o Espiritismo a aniquila, despojando-a do seu pretenso poder sobrenatural, de suas fórmulas, engrimanços, amu­letos, e talismãs, e reduzindo a seu justo valor os fenômenos possíveis, sem sair das leis naturais. (p.116)

Vejamos algumas considerações do O Livro dos Espíritos:

551. Pode um homem mau, com o auxilio de um mau Espírito que lhe seja dedicado, fazer mal ao seu próximo?

“Não; Deus não o permitiria.”

553. Que efeito podem produzir as fórmulas e prática mediante as quais pessoas há que pretendem dispor do concurso dos Espíritos?

“O efeito de torná-las ridículas, se procedem de boa-fé. No caso contrário, são tratantes que merecem castigo. Todas as fórmulas são mera charlata­naria. Não há palavra sacra­mental nenhuma, nenhum sinal cabalís­tico, nem talismã, que tenha qualquer ação sobre os Espíritos, porquanto estes só são atraídos pelo pensamento e não pelas coisas materiais.”

a) – Mas, não é exato que alguns Espíritos têm ditado , eles próprios, fórmulas cabalísticas?

“Efetivamente, Espíritos há que indicam sinais, palavras estranhas, ou prescrevem a prática de atos, por meio dos quais se fazem chamados conjuros. Mas, ficai certos de que são espíritos que de vós outros escarnecem e zom­bam da vossa credulidade.”

Colocamos estas considerações, como contraponto, para que não se confunda Umbanda com Kardecismo, embora tenham muitas semelhanças e pontos em comum. Kardecismo é raiz para Umbanda, de mesma importância que suas outras raízes, Africana ou Católica, por exemplo. Estas origens estão para a Umbanda assim como o Judaísmo está para o Catolicismo e estes para o Islã.

A abertura que Kardec deu para o adepto de certa religião ser espírita, pode fazer com que o umbandista torne-se espírita ou que o espírita pratique a Umbanda, mas não torna a Umbanda como Kardecismo e vice-versa.

Ainda assim o tema é e sempre será polêmico, mesmo Kardec quando foi questionado, de forma direta, se espiritismo era religião, deixou claro que formalmente não, mas ideologi­camente sim.

Agradecimentos a Alexandre Cumino.

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